Morar em São Paulo nos desperta tantos sentimentos ambíguos: a cidade vem sendo cada vez mais marcada por invasões de prédios e comércios, perdas de espaços comuns (gratuitos e bem cuidados), ativações intermináveis e nichadas que mais excluem do que agregam — fora outros aspectos inerentes à cidade grande, como violência e falta de mobilidade.

Para gostar da cidade é preciso querer e, ao querer, muita coisa boa também se revela. Eu, particularmente, busco transitar por aqui fora dos grandes fluxos, filas e ativações. Busco os espaços onde ainda cabe tranquilidade, respiro, segurança, natureza e vagareza.

Aqui vale dizer do bônus de ter escolhido uma atuação profissional que me permite viver outro ritmo. Sei que poder optar por esse ritmo é raro — privilégio de poucos — já que a cidade transborda concorrência e exige estar sempre em movimento, além de ter um alto custo de vida, outro elemento que não nos permite parar e apreciar as nuances das várias cidades contidas em uma só.

Ainda assim, tenho me esforçado para manter as pazes com São Paulo — por preservação da minha sanidade e também por justiça à fama de que aqui tem tudo. Tenho buscado degustar desse “tudo” começando por aceitar a cidade em toda a sua complexidade.

O movimento de me integrar mais à cidade começa pela minha transformação profissional: sair do contrato estável e seguro que o CLT me oferecia e mudar, aos poucos e com dificuldade, minha mentalidade de dedicação profissional de 40 horas semanais. Não “produzir” ou pensar trabalho a todo momento gera uma culpa e um peso enormes. Meu movimento recente vai na direção de aceitar e me apropriar dessa nova realidade profissional e dar a ela a cor e a forma que quero e posso.

Isso ficou ainda mais presente após uma saída bastante desconfortável de um contrato de trabalho que, apesar de PJ, me trazia conforto e me despertou essa necessidade por produtividade desenfreada. Apesar do desconforto, foi bom avaliar mais uma vez como quero estruturar minha rotina profissional: quais acordos serão importantes firmar, onde estarão meus limites rígidos quanto a respeito e entregas, qual fluxo posso construir nas minhas produções e de que forma será possível entregar tudo isso para crescer sempre mais.

Há alguns meses, passar pelo centro de São Paulo tem sido minha rota principal. Foi mergulhada no trânsito da região central que aprofundei tais reflexões e fui me percebendo curiosa por essa cidade e pelas pessoas que aqui habitam. Essa curiosidade me despertou a vontade de estar mais perto — e estar mais perto ampliou meu olhar para a complexidade cotidiana que cada um vive por aqui. Compreender essa complexidade, sem dúvidas, me amplia profissionalmente, já que meu trabalho tange a saúde emocional e profissional dos meus clientes.

E já que estamos falando de curiosidade, complexidade e ampliação, me comprometi a viver o centro de São Paulo mais de perto. A experiência foi tão positiva que foi a partir dela que todo esse texto me veio em mente.

Ouvindo um episódio do podcast Mano a Mano, com a convidada Djamila Ribeiro, desci a pé da Avenida Paulista em direção ao Copan, aprendendo com essa filósofa e professora ainda mais sobre cultura negra, racismo, relações inter-raciais e filosofia brasileira. A trilha sonora me acompanhou pelas ruas Nestor Pestana e Av. Ipiranga até chegar à sorveteria Tem Umami. Já havia sido impactada pelos posts dos sorvetes artísticos deles e fiquei surpreendentemente feliz ao descobrir que era ali.

Aqui, vale um “review” dessa obra-prima: a Tem Umami trabalha com alimentos predominantemente orgânicos e de pequenos produtores, produzindo alimentos frescos e sem uso de conservantes. É por essa razão que o sorvete deles é leve e muito saboroso. Pedi a famosa casquinha de quindim — muito bem servida, facilmente para duas pessoas. O quindim é a estrela: macio, docinho e delicioso. E a massa da casquinha, minha nossa — crocante, saborosa, numa espessura justa, não quebradiça e recheada com o que me pareceu coco ralado açucarado, um contraste perfeito com o sorvete. Apesar do valor ser um pouco alto para um sorvete, achei justo, pois nota-se a qualidade e a preocupação com um produto que, apesar de doce, é natural e até saudável, já que se preocupa com ingredientes orgânicos e sem conservantes.

Feliz com essa experiência, já estava satisfeita em conhecer esse pedacinho do centro. Mas queria estacionar numa livraria para respirar tranquila, acompanhada de muitos livros que ainda terei e lerei. Ali mesmo, no Copan, encontrei a Megafauna, uma livraria pequena, mas muito completa, com títulos que ressaltam diversidade e estimulam o pensamento crítico — adoro.

E ali, mergulhada em muitos títulos que já namoro há alguns anos, fui impactada pelo lançamento de um livro. Uma autora “desconhecida” se apresentava e, para mediar a conversa, Semayat Oliveira, jornalista que apresenta o Mano a Mano junto ao Mano Brown. Pois é, eu entrei nessa sinergia! Minutos antes, ouvia Semayat conversar com Djamila, e agora ela apresentava para mim Eliana Alves Cruz.

Na conversa, falavam do enredo de seu livro Meridiana e das histórias que combinam escolhas profissionais, ascensão social e relacionamentos inter-raciais. Sim, essa sinergia aí! Claro que comprei o livro — e me dei conta de quem era essa autora: há alguns meses, havia comprado Solitária, recomendado por colegas em um grupo de leitura e muito comentado pela intensidade e sensibilidade da autora. Dá pra acreditar nessa coincidência? Estar pertinho de pessoas que eu já admirava e agora ganham forma, voz e calor.

Saí emocionada desse encontro — pela sinergia, pelas minhas escolhas coerentes com o que quero para mim, pela minha disponibilidade e abertura ao que pode vir com os movimentos intencionais. Pelas revelações que São Paulo ainda me faz.

Deixo esse texto em forma de relato como registro para mim mesma. Como lembrete dos lindos acontecimentos que podem ocorrer quando há autocuidado e intencionalidade nas ações. Como convite a sair do automático e me permitir surpreender até mesmo com o conhecido.

Compartilhar ele aqui é desejar que esse relato te inspire também. Ficarei feliz em saber dos seus caminhos.

Com intencionalidade,
Psi Tamiris